Pobreza energética vive na casa de muitos portugueses - mas isto pode mudar

Muitas casas portuguesas têm problemas de conforto térmico - são muito quentes no verão e muito frias no inverno. Para viverem melhor, as famílias têm de recorrer a aparelhos que lhes fazem disparar a fatura da energia (eletricidade e gás). E isto no atual contexto de menor poder de compra, por causa da inflação e juros da casa em alta, gera um onda de dificuldades acrescidas nos orçamentos de muitos agregados. A somar a tudo isto, as alterações climáticas - com efeitos diretos na temperaturas, por exemplo - deixaram de ser uma discussão teórica para se fazerem sentir de forma visível, nomeadamente, na qualidade de vida, saúde e gastos. Mas nem tudo está perdido: a par do programa de incentivos a obras em casa para melhorar a eficiência energética, lançado pelo Governo, há cada vez mais iniciativas como as comunidades de energia renovável para apoiar a produção descentralizada a partir de fontes verdes, e que tocam também na componente social, visando ajudar os mais vulneráveis. 

Exemplo disso mesmo é a Coopérnico - Cooperativa de Desenvolvimento Sustentável, que continua a expandir o seu leque de programas de incentivo às famílias portuguesas que pretendam mudar para uma energia renovável e limpa em sua casa. Nos últimos meses, para além de estender a rede das comunidades de energia renovável (CER) em Portugal, a cooperativa social tem dado a mão àqueles que mais necessitam deste tipo de apoios, revelou em entrevista ao idealista/news Catarina Pereira, coordenadora do projeto POWERPOOR.

A responsável detalha que a Coopérnico representa assim Portugal - um dos oito países-piloto que constituem um consórcio europeu -, no projeto H2020 POWERPOOR que procura combater a pobreza energética. O fenómeno, cada vez mais comum nos dias de hoje, decorre obviamente do baixo rendimento das famílias, dos custos elevados da energia e da fraca eficiência energética das casas, tal como resume a especialista.

Foi neste contexto em que vive a sociedade portuguesa, por efeito de contágio do que está a acontecer a nível económico, financeiro e ambiental no mundo, que quisemos voltar a falar com a cooperativa, para entender um pouco mais sobre o projeto.

Embora o POWERPOOR tenha terminado a sua trajetória agora no final de agosto de 2023, a coordenadora do projeto Catarina Pereira referiu que há vontade de lhe dar continuidade, quer pelo excelente trabalho que tem sido feito, quer pela pertinência do serviço. Esta é segundo a própria coordenadora uma oportunidade de empoderar as famílias em situação de vulnerabilidade. 

Há realmente uma vontade da Coopérnico em incentivar a utilização de iniciativas conjuntas de energia para alavancar esquemas de financiamento alternativos e também inovadores, precisamente através do estabelecimento de de comunidades de energia renovável, recorrendo ao financiamento coletivo. 

Qual é o principal objetivo do projeto Powerpoor e como poderá promover a literacia energética?

O projeto tem por grande objetivo capacitar os agregados familiares em situação de pobreza energética através de iniciativas energéticas coletivas. O cidadão é colocado no centro do projeto e, através da estrutura de apoio que foi montada, nos primeiros meses do POWERPOOR, pretende-se que se torne um consumidor informado e eventualmente um prossumidor.

A estrutura vai desde o conjunto de ferramentas digitais, de livre acesso, para identificar a vulnerabilidade das famílias, à sugestão de alterações comportamentais no consumo e de medidas de melhoria de eficiência energética, à constituição de uma rede de Apoiantes e Mentores de Energia.

Além disso, abrange o suporte técnico na criação de gabinetes locais de apoio ao combate da pobreza energética e do apoio de câmaras municipais na reformulação dos seus Planos de Acção de Energia Sustentável e o Clima.

Quantas pessoas foram formadas para o serviço de aconselhamento energético ao domicílio e quais as regiões do país abrangidas?

Os Apoiantes e Mentores de Energia são formados e certificados pelas instituições representadas no consórcio e desenvolvem um papel importante, no terreno, em contacto direto com as famílias. A formação permite-lhes apoiarem as famílias em situação de pobreza energética a implementar mudanças de comportamento e através de intervenções de pequena escala e baixo custo nas suas habitações.

Assistiram às formações cerca de 400 pessoas e certificaram-se aproximadamente 140. Esperava-se que estas formações captassem maioritariamente técnicos da câmaras municipais ou de entidades de serviço público, como as agências de energia, para que os trabalhos que o POWERPOOR se propõe a desenvolver tivesse um maior alcance. 

Podemos formar pessoas oriundas de todas as regiões do país, inclusive das ilhas. Contudo, a rede contou com mais pessoas certificadas provenientes da faixa litoral, incluindo o Algarve, e menos do interior.

Como é que as visitas dos "mentores de energia" são realizadas? São apenas presenciais ou podem ser feitas de outra maneira?

A rede faz visitas domiciliárias às famílias para, de forma personalizada, fazerem auditorias energéticas simples, onde as faturas de energia são analisadas com detalhe. São também avaliados os eletrodomésticos, lâmpadas e envolvente física (paredes, janelas, pavimentos e coberturas), toda uma informação variada a fim de tornar a casa mais confortável e promover a poupança. 

Se as visitas presenciais não puderem ser prestadas, por falta de meios ou recursos, sugerimos fazê-las de forma virtual, solicitando os dados de consumo e das habitações. Para auscultar as pessoas tentamos responder às questões que nos são colocadas, aconselhamento que também pode ser feito através de email, telefone ou da plataforma digital. 

Como não tivemos autoridades locais motivadas para estabelecerem a ponte entre a nossa rede de Apoiantes e Mentores de Energia e os cidadãos em situação de vulnerabilidade energética, a Coopérnico recorreu aos meios que dispõe, contando também com a ajuda imprescindível dos membros que constituem o nosso Grupo de Ligação das Partes Interessadas (Stakeholders Liaison Group) do projeto, para chegar até às pessoas.

Assim, fazemos a ponte entre o Apoiante ou Mentor de Energia e a família que solicita a visita, que no final recebe um relatório. É importante frisar que todos os Apoiantes e Mentores de Energia envolvidos contribuem de forma voluntária. 

Quais têm sido os problemas identificados nas visitas já realizadas em termos de diagnósticos de eficiência energética? 

As dificuldades que mais comuns prendem-se à compreensão das faturas de energia e ao motivo dos valores de consumo serem elevados. Há dificuldade em saber como procurar as comercializadoras que oferecem melhores condições de acordo com o perfil de consumo, como tornar a habitação menos fria no inverno e menos quente no verão ou como reduzir as faturas de energia sem perder qualidade de vida e bem-estar.

Há alguma ocorrência comum que impacte negativamente o consumo de energia nas casas dos portugueses?

Muitas pessoas queixam-se do desconforto térmico das suas habitações e da necessidade em substituir as janelas por outras mais eficientes. Quanto à importância do isolamento térmico das paredes, por exemplo, não têm tanta noção. Tanto a substituição de janelas como a colocação de isolamento térmico são abrangidas por vários programas de apoio do Fundo Ambiental, mas de momento estão fechados. 

Outra dificuldade diz respeito à sugestão de vários vizinhos se juntarem para instalarem medidas de melhoria coletivamente. Neste momento, está aberto um apoio para a colocação integral de isolamento térmico em condomínios residenciais. A seu tempo, os consumidores vão compreender melhor a força que têm ao atuarem em coletivo.

Portanto, a eficiência energética vai além da classe energética dos eletrodomésticos. Não é assim?

Se as pessoas apostarem em equipamentos eficientes, por exemplo, para climatizarem as suas habitações, mas não cuidarem primeiro do isolamento térmico das paredes e coberturas ou da substituição das janelas, estão constantemente a aquecer e/ou a arrefecer para a rua. 

Isto porque a qualidade construtiva dos nossos edifícios é fraca e não retém o calor produzido pelos aparelhos, permitindo a transmissão térmica para o exterior, e também a entrada de calor e frio do exterior para o interior da casa.

Como os "mentores de energia" ajudam os consumidores a compreenderem as suas faturas de energia, consideradas documentos por vezes de difícil leitura?

Promovendo a leitura das faturas em conjunto explicando-as com detalhe, o preço da energia por kWh consumido, o preço dia da potência contratada, o ciclo horário, as tarifas simples, bi e tri-horária, sugerindo enviar mensalmente a leitura do contador. 

Detetamos ainda se existem serviços adicionais contratualizados e se o consumidor necessita deles ou se está abrangido por um período de fidelização. As faturas mais difíceis de decifrar são as dos beneficiários da tarifa social, são de complicadíssima leitura.

Quais são os erros mais comuns relacionados à potência contratada e às tarifas inadequadas aos perfis de consumo? Como esses erros podem ser combatidos?

Há pessoas que atualmente já não têm filhos a viver com elas ou que habitam sozinhas e mantêm a mesma potência contratada do passado, ou que em tempos utilizavam um conjunto de equipamentos e não se lembram que não necessitam de tanta potência agora. 

Quanto às tarifas, informamos as que existem, vantagens e desvantagens e que a escolha prende-se muito com o tempo que passam em casa ou dos períodos de consumo, de acordo com os ciclos horários estabelecidos. Divulgamos 1 ou 2 vídeos que ajudam a compreender melhor as tarifas e a escolha da potência e, se a habitação tiver um contador inteligente acessível, demonstramos como se retira informação dele.

Quais são os principais comportamentos, relacionados ao consumo de energia, encontrados durante estas visitas? Como a utilização de eletrodomésticos antigos e pouco eficientes impacta as despesas?

Há de tudo. Encontram-se pessoas muito controladas, que utilizam extensões com interruptor para uma bateria de aparelhos que não necessitam estar todo o dia ligados, lâmpadas de tecnologia LED ou com sensores de movimento em espaços de passagem. 

Outras pessoas têm frigoríficos e arcas antigos pouco eficientes, e outras que deixam os termoacumuladores e esquentadores ligados 24h. Faz-se referência à importância da etiqueta energética dos eletrodomésticos em caso de substituição, pois sendo mais eficientes consomem menos.

O isolamento térmico dos depósitos de água quente bem como as canalizações onde ela circula quando inexistentes ou não adequados podem ser energívoros.

Que caminho continua a ser traçado pela Coopérnico para garantir que os consumidores portugueses escolhem um comercializador de energia correspondente às suas necessidades energéticas?

Os Apoiantes e Mentores de Energia POWERPOOR certificados pela Coopérnico informam as famílias nas suas visitas domiciliárias sobre a existência dos simuladores de preços de energia disponíveis nos sítios Internet tanto da Entidade Reguladora do Sistema Energético (ERSE) como o portal Poupa Energia da ADENE, duas entidades independentes e idóneas. 

Transmitimos a sua utilidade e, se nos pedirem, exemplificamos como os utilizar. Ambos os simuladores têm vários filtros e permitem-nos comparar, lado a lado, a oferta de diversas comercializadoras.

Há quem pergunte se é melhor selecionar uma comercializadora que pratique uma tarifa fixa ou uma tarifa indexada da eletricidade. São explicadas as diferenças e as consequências na escolha de uma ou de outra tarifa. Também esclarecemos como hoje é fácil mudar de comercializadora, para a que oferece melhores condições.

Quais são os potenciais benefícios da instalação de painéis fotovoltaicos e como isso pode ajudar a aliviar as despesas das famílias com rendimentos mais baixos?

O POWERPOOR pretende alavancar iniciativas de energia coletivas. Se houver na proximidade cooperativas ou comunidades de energia, as pessoas são informadas e podem procurar fazer a sua adesão. É explicado que coletivamente torna-se mais fácil instalar um conjunto de painéis fotovoltaicos para o benefício de várias famílias. Está previsto o apoio à constituição de uma comunidade de energia ou ajudar a(s) família(s) a procurar(em) programas de financiamento alternativo ou inovador como o 'crowdfunding'. 

Se avançar, a Coopérnico está perfeitamente capacitada para apoiar a constituição de uma comunidade ou uma cooperativa de energia. Não é por acaso que fazemos parte deste projeto e de um outro também de combate à pobreza energética, o CEES.

As famílias vulneráveis ao concorrerem para o estabelecimento de uma comunidade de energia partilham a energia entre elas e decidem por elas. Com as poupanças alcançadas podem continuar a investir em medidas de melhoria de eficiência energética da sua comunidade. 

A Coopérnico oferece algum tipo de apoio ou orientação em relação a outras fontes de energia renovável para melhorar a eficiência energética?

A Coopérnico presta apoio aos seus membros na avaliação técnica e financeira no investimento em autoconsumo, com base em energia solar fotovoltaica. Também disponibilizámos informação sobre como poupar energia em casa, quer através do site, quer com regularidade aos nossos clientes.

Que investimentos precisam ainda de ser feitos em Portugal para garantir que a informação sobre energia e consumo seja clara e transparente?

É preciso melhorar a informação sobre como começar um projeto de autoconsumo coletivo ou dinamizar uma comunidade de energia. Este é o passo seguinte a poupar energia: produzir a nossa energia.

Fonte: Idealista